O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o povo. Nós temos que desconstruir muita coisa
Jair Bolsonaro, em 18.03.2019, em Washington
O Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, vinha gradativamente melhorando o perfil de distribuição da renda entre 2004 a 2014, através de uma série de mecanismos. Era um processo lento, muito baseado na geração de riqueza nova, já que a economia cresceu 3,72% ao ano naquele período (esse percentual é muito razoável, se considerarmos que, de 2016 a 2019 o crescimento médio do PIB foi zero). Aquele processo lento de melhoria do perfil de renda, fundamentalmente assentado na geração de milhões de empregos formais, foi interrompido com o golpe de 2016.
A partir desse momento a distribuição de renda estagnou, a pobreza voltou com força e a equiparação de renda entre homens e mulheres, negros e brancos, que vinha acontecendo ainda que lentamente, recuou. Claro, não se organiza um golpe de Estado, que derruba um governo eleito pelo voto direto, para melhorar a vida da população. No que se refere à questão econômica os golpes sempre são desferidos para interromper processos de maior acesso à renda, redução da pobreza, ou ampliação dos direitos da maioria. Essa característica é ainda mais forte quando o golpe é coordenado por uma potência estrangeira, que obviamente tem objetivos econômicos e políticos bem específicos no processo.
Não é que o imperialismo não deseje propiciar melhores condições de vida para o povo destes países vitimados por golpes. Não se trata disso. É que, no atual estágio de desenvolvimento da crise capitalista, ele não pode fazê-lo, sem prejudicar os lucros dos grupos econômicos que controlam a economia global. Os golpes em Honduras, Paraguai, Brasil, Bolívia (e outros, com metodologias um pouco diferentes) foram executados pela necessidade de manter os níveis de lucro e de domínio geopolítico e econômico na Região, do consórcio imperialista mundial, encabeçado pelos Estados Unidos.
A forma como a pandemia afeta o Brasil é uma espécie de síntese do que o programa econômico do governo, que é o aprofundamento do programa do golpe de 2016, reserva para o Brasil. O país é o segundo com o maior número de casos, com 691.962 casos até 07.06, somente os Estados Unidos tiveram mais doentes. Agora, somos o terceiro país do mundo em vítimas da Covid-19. São 37.312 óbitos do início da pandemia até ontem (07.06.20).
O estado de São Paulo tem a mesma população da Argentina, cerca de 44 milhões de pessoas. Até 07.05 São Paulo tinha 143.000 casos notificados e mais de 9.000 mortes. São Paulo, além disso, em 24 horas, até domingo, tinha registrado mais 2.494 novos casos. A Argentina até ontem tinha 22.782 casos registrados e 664 mortes por covid-19. São Paulo apresenta 13 vezes mais mortes que a Argentina. Esta diferença no enfrentamento da pandemia, que implica em muito milhares de mortos a mais no Brasil, tem que ser creditada diretamente na conta da incompetência e conduta do pior governo da história do país.
O Brasil está ingressando no que se pode chamar de “tempestade perfeita”, caracterizada por: 1.Contaminação em massa da população; 2.Depressão econômica; 3.Crise política inusitada (com governo Bolsonaro e grande polarização). Em relação à permanência de Bolsonaro não existe consenso entre os poderosos, há uma tendência do movimento Fora Bolsonaro crescer a cada dia, inclusive com adesão de setores da classe média, que apoiaram o golpe. Mas os golpistas permanecem unificados em relação ao programa de guerra contra o povo, sintetizado na fala de Bolsonaro, em epígrafe, proferida em plena sede da Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA).
José Álvaro Cardoso – Economista