ESPECIAL: A fumaça que parou uma cidade: Impactos na população


Por Marcelo Henrique

O youtuber David Silva, que morava no centro de São Francisco do Sul, foi uma das pessoas a abandonar temporariamente a cidade. “Eu e meus familiares estávamos sendo atingidos pela fumaça, então, resolvemos todos deixar a cidade e ir para Araquari ficar na casa de alguns familiares”, contou.

Contudo, enfrentaram obstáculos durante a viagem. “Todos da cidade resolveram deixar ela e isso causou um grande congestionamento, ficamos várias horas parados na estrada”, recorda.

De acordo com o Sargento do Comando de Policiamento Militar Rodoviário de São Francisco do Sul, Rodrigo Soares, houve um grande movimento na Rodovia Federal BR-280, que é o único corredor de entrada e saída de São Francisco do Sul.

Outra pessoa que optou por escapar do perigo, foi a auxiliar de recursos humanos, Joice Heine, que residia em uma casa atrás do terminal de cargas. “Estávamos perdidos, sem notícias, esperando as rádios ou televisão explicar algo. Passamos na entrada da cidade e aquilo fervilhava de pessoas e carros, logo no primeiro posto havia filas para abastecer. Fomos até a praia Barra do Sul para ficarmos com um tio meu que estava por lá”, relata.

Joice ainda ressalta a angústia que ela e sua família viveram na ocasião. “Passamos dias isolados e com medo, pois não havia maiores informações. Foi difícil, vivemos cena de apocalipse, não sabíamos se iríamos voltar para casa ou como as coisas ocorreriam dali para frente”, comenta.

Já a bióloga Priscilla Picasky, moradora do bairro Rocio Pequeno, perto do galpão, diz que ficou sabendo do ocorrido por mensagem de uma amiga. “Naquele dia acordei para trabalhar e recebi uma mensagem preocupada de uma amiga de Rio do Sul, perguntando se eu estava bem. Não entendi o motivo da preocupação, aí ela mandou eu ver o incêndio”, lembra.

Depois de se situar, Priscilla ficou em dúvida sobre o que fazer diante do cenário atípico. “Vi uma enorme fumaça amarela no céu, saí de carro, fui até o trabalho e estava fechado, escola fechada e ruas interditadas. Fiquei sem saber exatamente o que fazer, se fugia ou ficava. Acabei ficando até porque não tinha para onde ir”, justifica.

Quase sete anos depois, ela ainda se lembra de como foi a sensação de respirar a fumaça. “Tinha um forte cheiro de água sanitária, e não tinha como não sentir um certo receio, poderia estar envenenado, pois ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo”, conta.

Entre os cidadãos entrevistados, um deles chama a atenção pelo seu espírito de liderança e solidariedade com os moradores afetados pelo evento. O marinheiro de máquina, Geovane Pinheiro, é presidente da Associação de Moradores Amigos do Portinho (A.M.A.P), uma comunidade do bairro Paulas, local mais atingido pelo incidente. Ele atua nessa associação há cerca de 10 anos, e desde então, vem lutando de forma contundente para conseguir as reivindicações desses moradores.

Ao relatar a ocasião, Geovane descreveu a situação como desesperadora. “A cidade e meu bairro estavam tomados por uma nuvem de fumaça vermelha, sem informações os moradores saíam sem destino, inclusive eu que tinha um bebê recém-nascido. Só enrolei as crianças em cobertas e peguei uma mamadeira, chamei meu pai, que também estava assustado, pegou uma peça de roupa e saímos sem rumo, sem saber o que estava acontecendo”, recorda.

Apesar de todas as incertezas e medos que o acontecimento trazia, Geovane também teve de se atentar a outro fato, o comando da comunidade. “Além daqueles quatro dias fora de casa, sem roupas suficientes para minha família, sem dinheiro para nos mantermos, tinha a responsabilidade de ser líder de uma comunidade, que procurava os seus devidos direitos para os moradores que sofreram com esse acidente”, explica.

Na busca por esses direitos, Geovane foi responsável por articular a comunidade para entrar em ações contra a empresa. “Eu, como presidente da associação, entrei com um processo de indenização coletivo com todos os moradores da A.M.A.P., no meu bairro fizemos em média 800 processos, mas outros representantes me procuraram e pediram ajuda para fazerem nos seus bairros também. Estamos aí nessa briga ainda, pois vários moradores do meu bairro ainda não foram indenizados”, reclama.

O advogado Pedro Donel, que é responsável pelos casos da A.M.A.P, explica o porquê de alguns moradores não terem os pedidos de indenizações aceitos pelo juiz. “Depende da tramitação do processo, ou até da documentação que foi juntada, já que muitos moradores não têm acesso a documentos (conta de água ou luz), que comprovem a sua residência. Para o juiz conceder a indenização, ele precisa ter a certeza que o cidadão morava no local na época do acidente”, explica.


Receba as notícias do Folha Babitonga no seu WhatsApp