Opinião José Álvaro de Lima Cardoso: Operação Lava Jato: infelizmente estávamos certos

Sérgio Moro é um dos candidatos com a maior taxa de rejeição nas pesquisas para candidato a presidente da República. Em algumas delas o percentual dos que o conhecem e não votariam nele de jeito nenhum, ultrapassa os 60%. Além do candidato ser horrível sobre todos os pontos de vista, não saber nem mesmo se expressar na língua-pátria, há um sexto sentido, uma sapiência, nesse indicador eleitoral. A operação Lava Jato, da qual Moro foi protagonista, gestada fora do país, por interesses imperialistas, é de difícil compreensão para as pessoas comuns, que não dispõem de tempo para estudar este tipo de assunto. Mas na rejeição a Sérgio Moro há uma grande sabedoria popular, apesar do dinheiro que uma parte da burguesia está jogando na sua campanha eleitoral. Aqui é preciso dizer com todas as letras: se o Brasil não estivesse se movimentando em “modo golpe”, Sérgio Moro estaria no banco dos réus, sendo julgado pelos inúmeros crimes que cometeu contra o Brasil e o seu povo. Denúncias e provas contra ele, Dallagnol e cia, é o que não faltam.

Estamos no sétimo ano seguido de estagnação ou recessão na economia e, a partir de 2016, explodiu a pobreza no país. Isso é fruto direto do golpe, portanto, efeitos da operação Lava Jato. A Lava Jato foi uma engrenagem fundamental tanto para o impeachment em 2016, quanto para a fraude eleitoral de 2018, dois momentos chaves do golpe. A Lava Jato era propagandeada como a maior operação anticorrupção do mundo, mas ela mesma se revelou um crime de grandes proporções contra o país. O caso Watergate (1973), que derrubou o presidente Richard Nixon nos EUA, pode ser considerado discreto, quando comparado com a Lava Jato. Principalmente em termos de impacto na sociedade e na economia. Os envolvidos na Lava Jato praticamente destruíram um país para retirar uma força política do poder, a serviço da maior e mais beligerante potência estrangeira do mundo.

Num dos vazamentos das conversas entre os integrantes da Operação, o chefe Deltan Dallagnol, pronuncia uma frase muito emblemática, praticamente uma síntese da Lava Jato: em abril de 2018, quando os procuradores souberam do mandato de prisão do ex presidente Lula, Dallagnol comemorou, dizendo: “é um presente da CIA”.

A partir da Vaza Jato, que veio à tona em 2019, ficou evidente, fácil de entender, porque não queriam tornar públicos os arquivos da Operação: são confissões de autênticos criminosos. Quando surgiram as denúncias da Vaza Jato, em 2019, num determinado momento, enquanto o país aguardava mais um capítulo da série “The Intercept Brasil – As Mensagens Secretas da Lava Jato”, Sérgio Moro viajou para os Estados Unidos, como Ministro da Justiça e Segurança Pública, sem previsão na agenda, para “fazer visitas técnicas a instituições”. Claro, desesperado, porque foi
pego completamente com a boca na botija, foi ouvir orientações dos seus mentores e chefes nos EUA. Posteriormente, os crimes ficaram ainda mais evidentes com o material apreendido pela Polícia Federal na chamada Operação Spoofing.

Os prejuízos da Lava Jato no campo da democracia e do Estado Democrático de Direito são simplesmente incalculáveis. É ilusão achar que a gente ainda vive a democracia “meia boca”, que vigorava antes do golpe. Nem isso existe mais e é fácil de entender: se colocam o presidente mais importante e popular da história do país na cadeia, sem nenhuma prova, por pura armação política, imaginem o que podem fazer com qualquer um de nós, brasileiros comuns, que vivemos do nosso trabalho?

Mas não foi só a frágil democracia que foi esfacelada. O DIEESE divulgou um estudo neste ano (IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS INTERSETORIAIS DA
OPERAÇÃO LAVA JATO), que mostra que a operação estadunidense quebrou também a economia brasileira. O estudo revela que por conta da farsa montada com a Lava Jato, R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos no País, soma equivalente a 40 vezes os R$ 4,3 bilhões que a Lava Jato informa afirma ter recuperado para os cofres públicos. A Lava Jato, que visava atingir a maior empresa do Brasil e da América Latina, levou a uma crise inusitada no setor de petróleo e gás, e a uma queda drástica da taxa de investimentos. Os estadunidenses quando perceberam que podiam quebrar, além da Petrobrás, também os fornecedores que estavam no entorno da empresa, não tiveram dúvidas. Petróleo e gás, e construção
civil concorrem diretamente com as empresas norte-americanas. Mais tarde fizeram a operação “carne fraca” para pegar a indústria da alimentação.

A partir do segundo semestre de 2014, há sete anos, quando começou a pancadaria para cima da Petrobrás, o Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina, realizou uns 12 ou mais seminários nas mesorregiões catarinenses, para discutir Petrobrás, Lava Jato e o golpe.

Nos seminários (realizados principalmente no primeiro semestre de 2015) os dados que divulgávamos, da empresa, eram do seguinte tipo:
● A Petrobrás ultrapassou, em 2014, a norte-americana EXXON MOBBIL, como a maior produtora de petróleo do mundo, entre as companhias petrolíferas de capital aberto;
●O EBITDA (potencial de geração de caixa de uma empresa) do 1S-2015 foi de R$ 41,2 bilhões, 35% superior em relação ao 1S-2014;
● Empresa Investe mais de 100 bilhões de reais por ano;
● Paga mais de R$ 72 bilhões em impostos para o Brasil;
●Opera uma frota de 326 navios, tem 35.000 quilômetros de dutos, mais de 17 bilhões de barris em reservas, 15 refinarias e 134 plataformas de produção de gás e de petróleo;
● Aumento de 80% na produção do pré-sal no último ano;
● Responde por mais de 10% de todo o investimento brasileiro em 2014;
● Tem o maior plano de investimentos em curso no século XXI, feito por uma única corporação: cerca de U$ 200 bilhões de dólares seriam aplicados em exploração e produção entre 2015 e 2019 (um trilhão de reais ao câmbio atual);
● Opera o maior número de plataformas flutuantes de produção do mundo: 110 unidades de produção na costa marítima brasileira (offshore), 45 flutuantes; quatro plataformas do tipo FSO, que apenas armazenam e transferem petróleo;
● A participação do setor de Óleo e Gás no PIB do País, que era de apenas 2% em 2000, em 2015 é de 13%.

Com esses seminários, a tentava era a de explicar que a operação Lava Jato tinha sido desencadeada por causa destes números e não porque a Petrobrás estivesse quebrada. Mas estava (está) em curso uma guerra híbrida, de força avassaladora, de mentiras e contrainformações, visando tornar a empresa insignificante no jogo internacional do petróleo. E que conta com muitos (e alegres) aliados dentro do Brasil, que não hesitam em conspirar contra o país em troca de fama e dinheiro (não necessariamente nesta ordem).

Com a descoberta do pré-sal, e com a Lei de Partilha, votada em 2010, a Petrobrás se tornou uma zeladora constitucional e natural, da maior riqueza natural que o povo brasileiro dispõe neste momento, que é o petróleo e o gás, para se construir um projeto de desenvolvimento nacional. Infelizmente, 100% das nossas conclusões nesses seminários estavam corretas. Alguns diziam que a gente estava se dobrando à “teoria da conspiração”. Como se não existisse conspiração no mundo, ou como se os EUA nunca tivessem dado golpes em nenhum país, e fizessem tudo às claras e com as melhores intenções do mundo.

Tem um aspecto que é central em toda a operação Lava Jato: a estratégia dos EUA para a América Latina é impedir o surgimento de potências regionais, especialmente em áreas com abundância de recursos naturais, como é o caso do Brasil. O modelo dos norte-americanos, proposto para a região é o de países com Forças Armadas limitadas, incapazes de defender suas riquezas naturais, especialmente o petróleo. Aqueles que, em 2014, nos acusavam de estarmos dominados pela teoria da conspiração deveriam observar no que se tornou a Petrobrás, hoje.

O botijão de gás está custando R$ 120, e o litro da gasolina a quase R$ 7, fruto da política de preços internos dos combustíveis, que estão atrelados à variação internacional do óleo e à variação do dólar. Com essa política de correção de preços dos derivados do petróleo, é como se o Brasil não produzisse petróleo, e tivesse que importar 100% dos derivados que consome. Mesmo sendo autossuficiente na produção e utilizando majoritariamente petróleo nacional nas refinarias. Para ferir a soberania nacional e a economia popular, pode haver efeitos mais nocivos do que
estes?

A partir do anúncio do pré-sal pelo Brasil, em 2006, os EUA reativaram a 4ª Frota Naval, dedicada a policiar o Atlântico Sul e rejeitaram a resolução da ONU que garantia o direito brasileiro às 200 milhas continentais. A proposta dos americanos, e dos traidores, sempre foi tirar a Petrobrás do caminho e possibilitar às multinacionais do petróleo a apropriação dos bilionários recursos existentes no pré- sal que, no limite, podem chegar a quantidades próximas à Venezuela e Arábia Saudita. Quando a Petrobrás anunciou o pré-sal, os críticos (o senador José Serra à frente), bafejados pelas multinacionais do petróleo, diziam que o petróleo naquelas profundidades não teria viabilidade comercial. Chegaria tão caro na superfície, em
função do custo de extração, que não teria viabilidade comercial. Hoje os custos de extração do barril do petróleo, do pré-sal, estão a US$ 5, praticamente o custo da Arábia Saudita, que retira petróleo praticamente à flor da terra.

Muitos observadores não querem dizer o óbvio, por medo (porque se trata dos EUA, o país mais poderoso da Terra e que faz absolutamente de tudo para preservar seus interesses), ou senso de autopreservação. Mas o que se sabe é que os Estados Unidos para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da Região. Uma das lições do golpe no Brasil é que se a gente quiser ter um país soberano tem que construir as condições geopolíticas e militares para isso. Especialmente quando se trata de um produto para o qual não existe substituto no curto prazo (por mais que isso soe desagradável para os sonhadores). A Petrobrás foi o alvo central da operação, porque se trata de petróleo: produto fundamental e maior causador de todos os
conflitos bélicos nos últimos 100 ou 150 anos e sem substituto no curto prazo, como fonte de energia e matéria-prima da indústria.

José Álvaro de Lima Cardoso
Economista Dieese